Quem, se eu gritasse, ouvir-me-ia
Na hierarquia dos anjos?
(Rainer Maria Rilke, em Elegias de Duíno)
I
Que lamento meu seria capaz
De, elevando-se aos céus,
Acordar um anjo qualquer.
Um mensageiro, que dissesse:
– Aqui estou! Alvissareiro,
Trago-te o que tu’alma requer.
Ou, então, que grito poderia
Romper as tenebrosas brumas
Deste meu caminho e despertar
Alguma fada. Que me dissesse:
– Aqui estou! Alvissareira,
Trago-te porção do bem amar.
Anjos, fadas e magos!
E todos os querubins e serafins
Que estão a ouvir meu grito.
De vós, qual virá a mim, dizer:
– Aqui estou! Alvissareiro,
Onde estiveres eu fico.
II
Muito além dos meus braços,
Sei que adormeces cedo – sabes que durmo tarde.
À noite me embaraço
Em farpas de saudade grudadas ao travesseiro.
– Ah! Meu cativeiro.
A quem, neste tempo,
De frágil paz e real dor – e de barro os heróis –,
Pode-se clamar alento?
No peito a tristeza remói, transpassa-o por inteiro.
– Ah! Nosso cativeiro.
[Ari Donato | Salvador / 2009]